O dia começou em planaltos de montanha.
Como as vacas, sempre presentes, que se juntam em pequenos grupos de várias cores, as árvores, pinheiros e abertos de mais variedades do que as que eu consigo identificar, fazem o mesmo. É uma pradaria de ervas douradas, que crescem mais alto nas zonas inundadas. Alguns passadiços de madeira, evitam enterrar as botas até aos tornozelos.
Dois cães de caça, farejando tudo intensamente, anunciam a chegada do caçador. Com semelhanças ao longo dos quilómetros, a paisagem vai-se sempre superando.
Uma terrinha maior anuncia-se por uma loja de produtos regionais. Entrei. Havia um sector de queijos que me chamou a atenção. Concentrei-me nos pequenos, mordíveis - já contei que ando sem canivete.
Atrás do balcão, o empregado aproximou-se à espera que saísse uma decisão. Como até hoje não encontrei um queijo de que não gostasse, a coisa estava a demorar...
Para ganhar tempo, apontei uns queijos de tamanho médio, tipo uns a que chamam merendeiras. O problema foi que não me limitei a apontar. Perguntei se eram bons.
Ah non, monsieur, ce sont dégueulasses!
Eu mereci! 🤭
Parti com um queijo do Aubrac, que me pareceu o mais apetitoso.
Assim que pus o pé fora da loja, abriram-se as comportas do céu. Choveu, forte, nas seis horas seguintes.
A paisagem fez-se ainda mais bela. Caiu uma ligeira bruma que deixou os prados mais brilhantes e cobriu a prata mil e um pequenos cursos de água correndo apressados para o vale. Quando parecia que não se podia subir mais - e não era mentira - emergiu na paisagem uma pequena construção de madeira. Pouco maior do que duas cabinas telefónicas - perdoe-se-me o anacronismo - já tinha dois ocupantes. Um homem que, fiquei a saber, ali se tinha abrigado na véspera, e uma caminhante que também já estava farta do ruído patético que fazia a água dentro das botas.
Os materiais técnicos, como o goretex, podem ser excelentes até às 2 horas, mas a partir daí,... nada serve 🙄
Em menos de 5 minutos fiquei a saber que ela seguia para a mesma aldeia que eu e que ele ia na direcção oposta, mas só amanhã, quando passasse a chuva.
O resto do caminho foi uma correria. Chuva forte batida a vento e descida por uns canais pedregosos por onde a água se apressava à minha frente.
Sortes do destino, acabei no mesmo dormitório com essa caminhante.
Gente a ressonar, faz parte do Caminhos, mas esta falava. Falava que se desunhava. Chamava pelo gato bcchh bcchh bcchh, viens ici, e discutia coisas do trabalho 🤭
Acrescente-se, a seu favor, que teve, à mesa do jantar, a melhor tirada do dia.
Naquele locus bucolicus em que cada um fala do Caminho, das experiências e das motivações, ela saiu-se com esta: em março, quando terminei a primeira etapa deste Caminho, fiquei meio deprimida, arrastei-me para o autocarro de regresso a casa e só me apetecia continuar até Santiago. Uma tristeza invadiu-me e apertava muito os braços contra o corpo. Tocou o meu telemóvel. Nem reparei que número era. Ouvia a voz do meu marido: chérie, o que é o jantar? 🤣😂