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Escreve, escreve muito, pequenos artigos, grandes artigos, comentários, coisas pequenas, até um dia...

Nunca lera esta novela de Henry James.
Não sei, não encontro explicação válida outra que não seja uma azia forte, insuportável, que me costumam causar os grandes textos, as leituras incontornáveis e, frequentemente também, incontestáveis. Os textos canónicos.
A Fera na Selva é-o. É tudo isso, e o contrário também. Nesse sentido, cento e vinte anos depois, é profundamente moderna e profundamente política – na acepção da palavra neste século xxi – pode ser tudo, e o seu contrário também, um conjunto elegante de asserções desafiantes, caracterizadas por uma fascinante disjuntiva polissémica.
Quando comecei a ler, uma edição clássica no original inglês, de imediato tive a sensação de que estava a ler um texto que não tinha sido pensado naquele idioma. Uma versão de altíssima qualidade, mas traduzida. Habituei-me a reconhecer no inglês uma clareza, uma objectividade, que não estava presente no texto.
Divergindo:
Há muitos anos costumava visitar parceiros no norte de áfrica junto dos quais discutia o progresso de projectos comuns – quase sempre, a ausência de progresso. As conversas decorriam em francês, raramente em espanhol, escutava-os e faziam sentido, havia uma lógica na qual os argumentos se estruturavam e eu regressava ao escritório, se não satisfeito, pelo menos esclarecido. No momento seguinte preparava o relatório em inglês. Os dedos, que antes se moviam sobre o teclado com uma fluidez de coreografia de riverdance, emperravam, tropeçavam torpemente uns nos outros, até que se imobilizavam sob o ecrã vazio. Nada daquilo fazia sentido dependurado sem jeito nem equilíbrio na nova estrutura lógica.
Regressando:
Recuperei o primeiro parágrafo da novela.
"What determined the speech that startled him in the course of their encounter scarcely matters, being probably but some words spoken by himself without intention - spoken as they lingered and slowly moved together after their renewal of acquaintance."
Três linhas apenas que me obrigaram a esforços inauditos. Parecia que cada vez que voltava a ler a frase original ela já se tinha transmutado sobre os meus olhos. Não, não estou a exagerar. Não era de chumbo em ouro, infelizmente. Mas havia sempre uma nuance que realçava a cada nova leitura e que tornava insatisfatória a tradução recém-realizada. E a estória repetiu-se a cada poucos parágrafos ao longo de toda a curta novela.
Henry James, aborda aqui o sentido da vida e a importância de cada detalhe – sim, esses que costumamos desprezar sistematicamente – para a sua completa compreensão. Ocorreu-me até frase de Gabo “La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y cómo la recuerda para contarla" Mas curiosamente a versão do homem do realismo mágico, parecia-me demasiado clara e objectiva, James estava mais além.
Se amei A Fera na Selva? Não. Mas é fascinante. Uma espécie de cubo de Rubik insolúvel para amantes, ociosos, da literatura. Voltarei a ler. Um dia…
By the way:
"O que determinou o discurso que o sobressaltou durante o encontro, importa pouco, sendo provavelmente apenas uma ou outra palavra, dita por ele mesmo sem intenção — porventura enquanto se deixavam demorar e juntos prosseguiam lentamente após retomarem a convivência."
[Foi assim, há 20’]