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Interior da casa onde nasceu MTG em Portimão.jpg

Não é com certeza fácil para um português médio recordar os nomes dos presidentes da república. Tudo o que fica para além dos inquilinos de Belém que precederam a sua experiência de vida adulta é uma coisa longínqua que aparece num cocktail de memória com Sebastião e Afonso Henriques – o que é natural porque, então, não eram figuras que se vissem todos os dias…

Amante de livros e algarvio, grande viajante, esteta e homem de cultura, a figura do portimonense Manuel Teixeira Gomes é, porém, incontornável, e para além disso fascinante.

No seu tempo a cidade chamava-se Vila Nova de Portimão. Nascido numa família abastada, MTG interessou-se cedo pela cultura e pelas artes. Aborreceu os estudos em Coimbra, como aliás a Camilo os estudos no Porto, e cedo se apostou como um flâneur profissional.

Viajava pelo sul da Europa, principalmente, procurando mercadorias e colocação para os frutos secos que faziam a riqueza da sua família, como a das outras famílias abastadas do Algarve, e deliciando os sentidos nas paisagens, nas artes, na gastronomia nos vinhos e nas gentes.

Interessa-se pela política e logo em 1911 é nomeado embaixador em Londres: o primeiro da nova República. Não é um momento fácil das relações na putativa mais velha aliança do mundo: a instauração da república e a consequente substituição na embaixada do marquês de Soveral, com excelentes relações na corte, fazem com que apenas alguém com uma cultura e um carisma superlativo conseguisse entrosar-se no establishment britânico e ganhar mesmo a simpatia e afecto do rei Jorge V. 

MTG tem uma missão. Acredita que o conflito que vai começar, modificará a política no continente, e o continente ele mesmo, e entende que Portugal não pode ficar à margem. Não é o que hoje chamaríamos um falcão, um belicista, mas para ele, a nova república tem necessariamente de tomar partido e entrar sem reticências do lado dos Aliados.

Em Portugal o regime não prima pela estabilidade. Enganam-se todos aqueles que acreditam que no dia da revolução, as coisas mudam. Que na manhã seguinte as forças em presença são outras e as condições sociopolíticas radicalmente diferentes. Não foi assim em 1910 e não foi assim nunca.

Em 1918, com a chegada de Sidónio Pais, dão-se mudanças significativas no regime e nas políticas da República. MTG é retirado de Londres e aprisionado no Hotel Avenida Palace – eu disse-vos que era um homem de bom gosto…

A débacle das forças expedicionárias portuguesas e da administração, incapaz, primeiro de as abastecer e depois do armistício de as repatriar, gera um mal-estar significativo que culmina com o assassinato de Sidónio.

MTG volta ao activo, é embaixador em Madrid, participa na Conferência de Paz em Madrid e reassume a representação portuguesa em Londres. É aí que está quando o parlamento o elege presidente da república – a eleição directa é coisa da terceira república e nesta estória ainda vamos na primeira.

O telegrama a informar da eleição segue para Londres e MTG faz as malas. Jorge V faz questão de pôr à sua disposição um cruzador da marinha real para o transportar – uma coisa impressionante para alguém que não é oriundo da nobreza nacional – e é assim, com pompa e circunstância, que desembarca em Lisboa.

Em Belém as coisas não se apresentam fáceis. MTG será presidente durante dois anos durante os quais empossou seis governos. A agitação, também nos sectores militares, é crescente, tal como a simpatia por soluções de cariz autoritário. Sentindo-se impotente, porventura nauseado e saudoso, talvez, das suas viagens, MTG renuncia uma primeira vez e, definitivamente, em Dezembro de 1925, alegando razões de saúde e vontade de voltar a dedicar-se à actividade literária. Menos de uma semana mais tarde embarca num cargueiro holandês, dir-se-á que o primeiro a sair de Lisboa, que nem de propósito, segue para a Argélia francesa. Aí começa o seu auto-exílio e nunca mais regressará a Portugal.

Nos primeiros seis anos investe-se em viagens pela bacia do mediterrâneo – talvez aí as saudades da terra (perdoe-me Gaspar Frutuoso a apropriação), fossem menos dolorosas… São anos dedicados à bacia do mediterrâneo cuja luz e as paisagens persegue incessantemente. Escreve, escreve muito, a maior parte das suas obras, e algumas memórias saudosas e pungentes, como Regressos. Escreveu um dia: Viajar, sozinho e sem plano, sem guia.

Percorre a costa mediterrânica da Argélia, Orão e Argel que torna a visitar amiúde e escolhe Bougie, na costa da Cabília, onde se instala num quarto singelo do modesto Hotel l’Étoile, na pequena praça Gueydon.

É no quarto 13 – ainda hoje visitável – mantendo correspondência com alguns amigos e recebendo escassas visitas, que passa os derradeiros dez anos de vida. Ali, de frente para o mediterrâneo, o homem que um dia, quase 40 anos antes, no Porto, escreveu Agosto Azul.

O céu, de um azul intensíssimo, está como que esponjado de peque­nas nuvens; a Ponta do Altar perfila-se com o seu recorte siracusano, e pouco a pouco, ao declinar do Sol, acende-se em oiro.

 

A Ponta do Altar perfila-se […] e pouco a pouco, ao declinar do Sol, acende-se em oiro

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